Peguem o alho, estacas de madeiras, garantam balas de prata em seus revólveres, evitem pentagramas, não escavem antigas tumbas e não julguem o Frankenstein apenas por sua aparência!
No início de junho de 2017, a Universal Studios deu início a um projeto ambicioso: uma série de longas metragem que ressuscitarão, no cinema, os personagens integrantes do “Legado de Monstros” do estúdio, em um universo compartilhado chamado “Dark Universe”. A ideia é uma tentativa de reavivar os personagens mais clássicos do horror, que foram os responsáveis pela fama e prestígio do estúdio, chamado na época de “Casa do Terror”.
Para quem não sabe, as décadas de 30 e 40 são consideradas a “Era de Ouro” do Terror no cinema. Os filmes do gênero eram baseados em adaptações literárias famosas (Drácula, Frankenstein, O Homem Invisível) e de histórias e lendas (A Múmia, O Lobisomem) que traziam personagens grandiosos envolvidos com o sobrenatural e misticismo. Os primeiros filmes de terror do estúdio, embora mais para o lado dramático, foram os clássicos do cinema mudo O Corcunda de Notre Dame (1923) e O Fantasma da Ópera (1925); verdadeiros sucessos de bilheteria. Ambos os filmes também popularizaram o “mito” Lon Chaney, “O Homem das 1000 Faces”, devido ao seu talento para criar a maquiagem de seus próprios personagens.
O lendário produtor Carl Laemmle, chefe da Universal durante a produção dos filmes citados acima, não era muito fã de filmes de horror. Foi só quando seu filho, Carl Laemmle Jr., encabeçou o estúdio, que o “Legado de Monstros da Universal” começou a tomar forma. O filme que inaugurou a “franquia” foi Drácula, um imenso sucesso de bilheteria seguido no mesmo ano por outro clássico, Frankenstein. À medida que os filmes foram tendo cada vez mais sucesso, e os personagens se tornavam parte da cultura popular, cada vez mais filmes de terror eram produzidos pelo estúdio. Não somente filmes apresentando novos personagens (A Múmia, O Lobisomem), como também inúmeras sequências (por exemplo, A Noiva de Frankenstein) e obras em que os personagens se encontravam em um universo compartilhado (Frankenstein Encontra o Lobisomem e A Casa de Frankenstein, por exemplo). E vocês achando que a Marvel Studios era pioneira em universos compartilhados, não é!?
A Universal Studios extenuou tanto o sucesso de seus monstros que, fatalmente, os filmes começaram a descambar para a comédia e a autoparódia. O fato é reconhecido principalmente pelos crossovers dos monstros com a dupla de comediantes Abbott e Costello, como no famoso Abbott e Costello às Voltas com Fantasmas.
Com o início dos anos 50, o medo da bomba atômica, da radiação e dos mistérios encontrados durante a corrida espacial fizeram os filmes de horror focarem mais em ficções científicas que em monstros sobrenaturais e mitos (confira nossa Lista Interativa #5, para saber um pouco mais). O fato pode ser visto até mesmo no último grande filme de monstros clássicos da Universal, O Monstro da Lagoa Negra, que possui um forte cunho científico. O sobrenatural e o horror gótico da “Era de Ouro” foram só retomados no início dos anos 60, com as obras-primas atmosféricas de Mario Bava, e as produções de terror do estúdio “Hammer”.
A “Hammer”, aliás, criou o seu próprio universo de monstros, desta vez, com todas as cores que o Technicolor permitia para acentuar a violência, além de uma forte carga sexual. Nomes como Boris Karloff, Bela Lugosi e Lon Ganney Jr. deram espaço a Cristopher Lee, Peter Cushing e Vincent Price. Além de fazer renascer Drácula no clássico O Vampiro da Noite em 1959 (incluindo suas diversas sequências e filmes sobre outros vampiros, como Karmilla, a Vampira de Karnstein), a “Hammer” também renovou diversos outros monstros clássicos. Inclui-se nessa lista: Frankenstein (A Maldição de Frankenstein, 1957), Lobisomem (A Maldição do Lobisomem, 1961), Múmia (A Múmia, 1959) e tantos outros, durante as décadas de 60 e 70.
Mas o interessante é que, a cada 30 anos, os monstros clássicos parecem sofrer uma reciclagem “natural” pelo cinema mundial. Nasceram nos anos 30, depois retornaram no início dos anos 60 e, mais tarde, nos anos 90. Desta última vez, também vieram por diversos estúdios diferentes, sempre com direções, valores de produção e elencos invejáveis. Francis Ford Coppola lançou seu insuperável Drácula de Bram Stoker, e depois produziu o subestimado Frankenstein de Mary Shelley, um espetáculo fabuloso dirigido por Kenneth Branagh. Na sequência, também surgiu o pouquíssimo lembrado O Segredo de Mary Reilly, baseado na história de “O Médico e o Monstro”, trazendo o excelente John Malkovich e uma surpreendente atuação de Julia Roberts (talvez, seu melhor papel); e o cultuado Lobo, dirigido pelo mestre Mike Nichols (A Primeira Noite de um Homem) e estrelado por Jack Nicholson e Michelle Pfeiffer.
Já no fim da década de 90 nós tivemos um revival de A Múmia que ficou bastante famosa na época por apostar em um tom “aventuresco” B, um sub-Indiana Jones. O filme rendeu duas sequências (o divertido O Retorno da Múmia e o péssimo A Múmia: A Tumba do Imperador Dragão), além de um desnecessário spin-off (O Escorpião Rei), feito apenas como meio de promoção para The Rock. Na mesma época, o excelente Paul Verhoeven (Instinto Selvagem, O Vingador do Futurp) também comandou a modernização da história de O Homem Invisível em O Homem sem Sombra, com sua tradicional mistura de sexualidade e violência sarcástica para criar um senso de humor único.
Já no século XXI, tivemos várias tentativas de modernização dos filmes clássicos, porém, nenhum conseguiu trazer a qualidade dos mesmos. Obras como Drácula 2000, Frankenstein – Entre Anjos e Demônios, Victor Frankenstein e a adaptação do musical de Andrew Lloyd Webber para O Fantasma da Ópera nem mereceriam nem ter sido citadas.
A ideia de criação de um “Dark Universe” começou a ser discutido quando Drácula – A História Nunca Contada foi lançado em 2014. Porém, devido ao péssimo resultado de público e crítica do filme (e é, realmente, MUITO ruim), a ideia foi guardada para ser introduzida devidamente neste novo filme d’A Múmia. Inclusive havia a ideia de Tom Cruise interpretar o icônico Van Helsing neste universo estendido, um detalhe que pode ser uma surpresa guardada. E quem não se lembra do VERGONHOSO Van Helsing que a própria Universal “cometeu” em 2004? Um filme que manchou de vez a reputação de Stephen Sommers (que já não era muito boa) e quase acabou com a careira de Hugh Jackman, que deve se arrepender até hoje. O filme foi considerado um desrespeito enorme do estúdio pelo seu “Legado de Monstros”. Aliás, um filme/homenagem que reuni todos os monstros clássicos juntos sendo caçados por aficionados em monstros já foi feito de forma PERFEITA em Deu a Loca nos Monstros.
Este novo A Múmia aposta na ação e aventura que tornou a versão 90’s um sucesso em sua época. Apesar de não ser um tradicional filme de horror como os clássicos dos anos 30 e 40, o filme possui seus momentos de terror grotesco envolvendo a assustadora invocação de um Deus/Demônio, múmias transformando pessoas em mortos vivos esfacelados ao sugar sua força vital, exércitos de aranhas, ratos e até zumbis cadavéricos. O filme possui um bom ritmo e, ao menos, uma grande cena de ação (a queda da aeronave militar). E apesar da inesperada homenagem que o filme presta a Um Lobisomem Americano em Londres, o roteiro não deixa de exibir falhas relacionadas à diálogos expositivos e falta de identificação com os personagens. O conceito de um monstro feminino (a primeira desde A Noiva de Frankenstein) seria muito interessante se todas as suas motivações não girassem em torno de um homem, o que é, no mínimo, decepcionante. Além da vilã egípcia interpretada com talento por Sofia Boutella (do ótimo Kingsman: Serviço Secreto), o filme também apresenta um divertido Russel Crowe no papel de Dr. Jekyll e Mr. Hide (O Médico e o Monstro). Fica a torcida para que o próximo filme do "Dark Universe" apresente um roteiro melhor finalizado.
Portanto meus caros Loucos por Filmes, nada mais justo que fazermos uma revisão das obras-primas que eternizaram os monstros clássicos na “Era de Ouro” do cinema. Os filmes analisados aqui serão apenas aqueles integrantes da “Coleção Essencial de Monstros”, que o próprio estúdio delimita e que já relançou várias vezes em boxes especiais de Dvd’s e Blu-Rays.
Peguem o alho, estacas de madeiras, garantam balas de prata em seus revólveres, evitem pentagramas, não escavem antigas tumbas e não julguem o Frankenstein apenas por sua aparência! A retorno ao filmes de terror clássicos do cinema começa agora!
ATENÇÃO: Os filmes estão organizados de acordo com a data de lançamento.
1 – Drácula (Dracula, 1931) de Tod Browning
“Listen to them. Children of the night. What music they make…”Drácula é o primeiro grande filme de terror feito nos EUA. Além de ter servido como parâmetro para a construção de TODA a iconografia do terror no cinema estadunidense, o filme também abriu as portas para que o horror fosse explorado como um mercado criativo, e lucrativo, no cinema. Apesar de O Corcunda de Notre Dame e O Fantasma da Ópera (de Lon Channey, “O Homem das Mil Faces”) terem vindo antes, Drácula foi o filme que inaugurou os filmes de monstros na “Era de Ouro” do cinema; salvando o Universal Studios da crise da Grande Depressão.
O FANTÁSTICO livro original de Bram Stoker foi lançado em 1897. Para criar sua história, o irlandês se baseou na história real de um príncipe romeno chamado Vlad Tepes, ou Vlad da Valáquia, ou até Vlad, O Empalador. Durante o século XV, esse príncipe foi conhecido por sua crueldade e sadismo; chegando a empalar e esfolar vivas suas vítimas, ou até a beber seu sangue após uma batalha. Adaptando seu personagem para cenários góticos da Inglaterra, Bram Stoker não só foi inovador no modo de contar sua história (com base em diários, cartas e reportagens), com também foi responsável por criar aquele que seria o MAIOR vilão da literatura e do cinema (não é exagero). Como sempre foi de desejo do escritor, sua obra teve diversas adaptações teatrais através dos anos. A mais famosa foi realizada na década de 1920, na Broadway, adaptada por Hamilton Deane.
Apesar de ter sido o primeiro filme oficialmente adaptado da obra de Bram Stoker, o filme não havia sido o primeiro dobre o personagem vampiro. Em 1922 o diretor F.W. Murnau, o expoente do expressionismo alemão, havia lançado o clássico Nosferatu. Por um problema em relação à legislação de direitos autorais, Murnau foi processado pela esposa de Stoker (que já era falecido na época), já que não havia solicitado os direitos do livro. O diretor teve que mudar o nome do filme, e dos personagens; porém, a trama central, e a maioria dos acontecimentos, são basicamente os mesmo da obra de Stoker. Além disso, é inegável a importância histórica do uso de luzes, sombras, escuridão e efeitos ópticos que essa obra expressionista proporcionou ao cinema, assim como O Gabinete do Dr. Caligari; tendo influenciado todos o gênero de terror desde então.
A Universal Studios tinha o desejo de criar uma obra grandiosa em Drácula, dando vida aos vários eventos fantasiosos do livro. Porém, o estúdio estava em um período de recessão por conta da crise econômica de 1929, o que levou o roteiro a ser desenvolvido com base na adaptação teatral “singela” de Hamilton Deane. O roteiro foi escrito por Garret Fort, o mesmo que trabalharia depois em Frankenstein.
Os pontos principais da história original de Bram Stoker estão presentes no roteiro de Fort. No entanto, vários personagens, e subtramas, foram excluídos. Por exemplo: a personagem Mina se torna filha de Dr. Seward, quando na verdade o médico era um dos pretendentes de Lucy na história original. Lucy aliás, tem sua “vampirização” excluída do filme, talvez para dar maior foco ao vilão principal; embora a transformação da moça fosse importante para dar uma dimensão maior das ações aterrorizantes de Drácula. Inclusive, o próprio vilão ganha contornos mais sociáveis em sua interação com os personagens, enquanto no livro ele era uma “besta” que agia violentamente e não possuía vida social (assim como no posterior O Vampiro da Noite). No entanto, o personagem nunca perde seu tom enigmático e sombrio, principalmente por sua postura mórbida de contraste ao restante dos personagens (como deixa claro no diálogo com Lucy, durante uma apresentação teatral). A adaptação mais fiel de Drácula seria realizada por Francis Ford Copolla em 1992, apesar da mudança drástica do conceito do vilão.
O diretor Tod Browning já havia tido uma experiência pregressa com horror no clássico Londres Após a Meia-Noite, inclusive tendo Lon Channey como um personagem vampiresco. Apesar da experiência do diretor, muitos alegam que as decisões artísticas mais importantes do filme ficaram a cargo do diretor de fotografia Karl Freund, que havia trabalhado no expoente expressionista Metropolis e mais tarde dirigiria A Múmia. O destaque no olhar hipnotizante (e amedrontador) de Drácula, por exemplo, foi graças a dois pequenos focos de luzes projetados nos olhos de Bela Lugosi, ideia de Freund; uma ideia prática e encantadora. Independentemente de quem tenha tomado as decisões, a verdade é que Drácula praticamente inventou a “cartilha de filmes de terror”. Do cinema dos EUA durante a “Era de Ouro”.
O modo como Drácula é fotografado no filme é responsável por destilar temor e mistério da criatura, sendo o posicionando em cantos desconfortáveis e ocultos da tela (como no plano em que o vilão observa uma moça sob um poste de luz), e ao usar densa névoa como elemento, e poucos focos de luz. A ambientação também é crucial para nos transporta para aquela fantasia de terror, sendo que Browning é hábil ao explorar imagens campestres sob fortes nuvens e luares, silhuetas de cruzes, montanhas e desfiladeiros inóspitos e até o icônico castelo gótico sobre uma imensa colina. O diretor orquestra tão bem sua atmosfera macabra, que chega ao ápice de criar um plano em que as três noivas de Drácula adentram em um quarto em rito com a névoa que entra pela janela, simbolizando o terror enervante e iminente de um personagem. A sensação de moribundo daqueles monstros também é bem registrado pelos seus despertares sinistros de caixões, cenas que devem ter aterrorizado as plateias de outrora.
A direção de arte de Charles D. Hall (que havia trabalhado no clássico Nada de Novo no Front) explora as possibilidades do terror com muita imaginação. Só o trabalho dentro do castelo de Drácula já valeria vários prêmios. Mostrado como um antro de morte e macabro, o castelo é praticamente uma extensão da personalidade do monstro. Sujo, decrépito e com uma silhueta gótica a partir de suas próprias ruínas, o ambiente é circundado com uma natureza morta desoladora. A enorme teia de aranha do alto da escadaria, aliás, serve para o diretor criar um belo simbolismo sobre as intenções do Conde Drácula, que faz com que sua primeira vítima precisa atravessar, sugestivamente, a teia. Já no calabouço da Baía de Carfax, ao final, o diretor explora um pé direito assombrosos, que expõe uma enorme escadaria que poderia bem representar uma descida direto ao inferno.
O trabalho no figurino de Ed Ware (O Gato Preto) e Vera West (A Sombra de uma Dúvida) também merecem citação, não só pelo visual clássico do Conde (com seu terno, amuleto e sua capa com golas pontudas), como também ao explorar um figurino mais brilhante e vivaz sugestivo para a personagem Mina, em determinado momento de transição.
O filme não possui trilha sonora, já que na época as audiências não compreendiam como filme poderiam ter música de fundo se não tivessem elementos de cena para tal. No entanto, o diretor consegue utilizar sons diegéticos para dar uma sensação de desconforto e temor, principalmente por ventanias, uivos de lobos e ruídos de morcegos.
Grande parte do sucesso do filme vem graças à atuação magnética de Bela Lugosi como Drácula. Ator húngaro, que já havia interpretado o vilão diversas vezes no teatro, teve que lutar muito para conseguir o papel. O preferido, inicialmente, seria Lon Channey, porém o mesmo faleceu antes do filme iniciar a produção. Além de ter um perfeito sotaque do leste europeu que denota uma aura místico ao personagem, Lugosi tem uma forte presença em cena, principalmente por seus modos polidos se contrastarem com seu olhar maligno, gerando uma estranheza profunda. Os gestuais característicos de Lugosi também agregam muito à imagem do Conde, apesar da a maquiagem de Jack Pierce não explorar pontos característicos do vampiro, como os caninos afiados e as tradicionais marcas nos pescoços das vítimas.
Também há de se destacar a atuação de Dwight Frye como Renfield, que transita entre o insano e o amável de forma genuína e sempre com empatia. Frye nos faz repudiar a figura ao mesmo tempo que tememos por seu destino; e a cena em que ele rasteja até uma personagem desmaiada é de causar arrepios. Já o Van Helsing de Edward Van Sloan (que se especializou em personagens professores/cientistas em filmes de monstros) demonstra com facilidade a sabedoria e inteligência do personagem. Em contrapartida, o Van Helsing do livro demonstra um vigor inabalável que falta a Van Sloan, que foi melhor retratado por Peter Cushing e Anthony Hopkins nos filmes posteriores. Já Helen Chandler (Mina) e David Manners (Jonathan Harker) não são particularmente expressivos.
Curiosamente, foi produzida uma versão latina de Drácula paralelamente à versão estadunidense, lançada no mesmo ano. O fato se deve à falta de costume com filmes legendados para o público da América Latina. Dirigido por George Melford, o filme era gravado no período noturno, nos mesmo sets que o filme original era gravado no período diurno. Diz a lenda que Melford via todas as cenas gravadas do outro filme quando chegava ao set, e adaptava suas ideias para fazer melhor.
E realmente, a versão latina de Drácula possui muitos aspectos técnicos melhores desenvolvidos que o de Tod Browning. Há movimentações de câmeras mais desafiadoras (como na introdução do Conde), coreografia de cenas mais ferozes (como no momento que Van Hesing mostra um espelho para Drácula), e até maior coragem ao mostrar a vampirização de Lucy. No entanto, a atmosfera mórbida e sinistra do filme de Browning é mais bem resolvida. Além disso, a atuação de Carlos Villarías como o Conde Drácula beira o risível, devido às várias expressões canastras e exageradas.
Como não poderia deixar de acontecer, o sucesso de Drácula gerou várias sequencias dentro da “Casa do Terror”, sendo que nenhuma faria o mesmo sucesso do original. No entanto, Bela Lugosi só voltaria a interpretar o vilão na paródia Abbott e Costello – Às Voltas com Fantasmas (1948). A sequências foram: A Filha de Drácula (1936), O Filho de Drácula (1943) com Lon Channey Jr. como o Conde, A Casa de Drácula (1945) e ainda uma participação em A Casa de Frankenstein (1944). Nos dois últimos, o Conde foi interpretado por John Carradine, o pai de David Carradine, que muitos conhecem como Bill do clássico pop Kill Bill.
Como todos sabem, o Conde também outras famosas versões pela história do cinema, tendo sido um dos personagens mais adaptados da história da sétima arte. Dentre as mais famosas está O Vampiro da Noite, produzido pela saudosa Hammer em 1958. Considerado por muitos como a melhor adaptação do livro de Bram Stoker, O Vampiro da Noite trouxe Cristopher Lee como o intérprete mais fiel à natureza do vilão na história original (verdadeiramente ameaçador e apavorante). Além de nos encantar com uma atuação intensa de Peter Cushing como Van Helsing. Já em 1979 tivemos outro Drácula da Universal, dessa vez dirigido por John Badham, que havia saído do sucesso de Os Embalos de Sábado à Noite. O filme teve valores de produção que enalteceram ainda mais o viés gótico da história, além de um trabalho de maquiagem exemplar (a Mina vampira é ATERRADORA). Frank Langella interpretou uma versão muito mais sedutora e sensual de Drácula, com direito a neon e música embalante em suas ações. Sem contar que o grande Laurence Olivier interpreta Van Helsing.
Dentre o meio cinéfilo não é difícil comprovar que Drácula de Bram Stoker, que Francis Ford Coppola lançou em 1992, seja considerada a melhor adaptação de todas. Muito mais fiel aos acontecimentos do livro que qualquer outro filme anterior, o longa, no entanto, mudou drasticamente a personalidade do vilão, que se tornou um anti-herói romântico na pele do formidável Gary Oldman. Contando ainda com Winona Ryder e Keanu Reeves no elenco, o filme trouxe um Van Helsing INSANO na pele de Anthony Hopkins. Já a direção de Coppola conseguiu reunir de forma EXUBERANTE os elementos mais famosos de todos as versões anteriores, desde Nosferatu de 1922. Já em 1995 Mel Brooks tentou criar uma paródia dos filmes do Conde em Drácula – Morto Mas Feliz, com Leslie Nielsen como o vilão. Porém, o resultado ficou muito aquém do diretor responsável pelo genial O Jovem Frankenstein.
Drácula é laureado pelos estudiosos de cinema. O filme possui 91% de aprovação no RottenTomatoes, e foi selecionado para preservação no National Film Registry, pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, sendo considerado “culturalmente, historicamente, ou esteticamente relevante”. Além disso, o filme está inclusive no livro “1001 Filmes para Ver Antes de Morrer” de Steven Schneider, além de estar na lista de “Grandes Filmes” do crítico Roger Ebert.
Com uma excelente atmosfera e uma atuação formidável de Bela Lugosi, Drácula é um clássico obrigatório para todos que queiram conhecer um pouco da história do cinema americano.
2 – Frankenstein (Idem, 1931) de James Whale
“It’s Alive! It”s Alive! It’s Alive! .... Oh, in the name of God! Now I know what it feels like o be God!”Drácula é o vilão mais famoso do “Legado de Monstros” da Universal, e até do cinema de uma forma geral. Mas o Monstro de Frankenstein é indubitavelmente o “vilão” que possui maior prestigioso dentre os estudiosos. O sucesso de Drácula foi fundamental para o maior investimento financeiro e artístico dos filmes de monstro que vieram a seguir; e Frankenstein exponenciou tudo que já havia de bom em Drácula: valores de produção ainda melhores, uma direção mais sofisticada, história com temas complexos, maquiagem exuberante e uma atuação formidável de Boris Karloff como o monstro.
Mary Shelley, escritora inovadora, escreveu Frankenstein ou O Prometheu Moderno em 1816. A própria história envolta na criação do livro já é interessante por si só. Segundo contam, Mary estava com seu então namorado, Percy Shelley, de férias em um chalé na Suíça. Em uma noite, receberam a visita do também escritor Lord Byron, e um médico italiano chamado Dr. Polidori. Dentre conversas acaloradas entre todos, os três escritores descobriram um interesse em comum por assuntos mórbidos, sobrenaturais e ocultos. Como forma de brincadeira, realizaram uma competição interna, onde cada um dos escritores iria inventar uma história de terror e apresentar aos outros colegas. Mary Shelley, no caso, criou Frankenstein, talvez a primeira história sobre um morto-vivo. Esse suposto encontro do casal Shelley com Lord Byron foi retratado no filme Gothic de Ken Russel.
Assim como Drácula, a história de Mary Shelley já havia sido adaptada para o teatro, inclusive por Hamilton Deane, que também adaptou a obra de Bram Stoker. O roteiro do filme se baseou mais na peça teatral que no livro de Shelley, tendo como roteiristas Garret Fort (também de Drácula) e Francis Edward Faragoh (Alma no Lodo). O filme seria inicialmente dirigido por Robert Florey (que trabalhou com irmãos Marx em Hotel da Fuzarca), que começou a trabalhar na produção trazendo várias ideias do expressionismo alemão de Fausto e Nosferatu para as características imagéticas.
Já o primeiro ator a ser considero para o papel do Monstro de Frankenstein era ninguém menos que Bela Lugosi; uma aposta óbvia do estúdio para trazer espectadores que haviam se apavorado por seu Conde Drácula. Porém, Lugosi não só ficou insatisfeito com o fato de o monstro do filme não ter falas (diferente da obra original de Shelley), como também não gostou do teste de maquiagem que fez para o filme. Segundo relatos, a maquiagem feita em Lugosi ficou muito parecida com a maquiagem do monstro do clássico do cinema mudo O Golem, com uma grande peruca e camadas de argila seca sobre a pele. Lugosi desistiu do papel, mas interpretaria o Monstro de Frankenstein mais tarde em Frantenskein Encontra o Lobisomem, além de interpretar o icônico ajudante corcunda Ygor em O Filho de Frankenstein e O Fantasma de Frankenstein. John Carradine também recusou o papel do monstro, já que se achava erudito demais para interpretar um personagem “simples” como esse.
Sem muitas explicações, Robert Florey ficou de fora da produção do filme, e James Whale foi contratado em seu lugar. Whale já era experiente em filmes de guerra, tendo inclusive um trabalho de direção não creditado no clássico Anjos de Guerra. Para o papel do monstro, Whale escalou o então pouco conhecido Boris Karloff, que já era veterano do cinema mudo. Ironicamente, foi o papel do Monstro de Frankenstein que deu fama internacional a Karloff, até mais que Bela Lugosi. E segundo fofocas da época, inclusive um pouco retratadas no maravilhoso Ed Wood de Tim Burton, Lugosi possuía uma rixa interna com Karloff.
O roteiro do filme não traz todos os elementos e acontecimentos que estão na obra original de Shelley. Partes muito importantes do desenvolvimento do monstro, e de seu conflito final com o Dr. Frankenstein, só foram retratados na fantástica sequência, A Noiva de Frankenstein. De certa forma, o roteiro do filme trouxe elementos característicos de dois filmes do cinema mudo que pode ter se inspirado no livro de Shelley, O Gabinete do Dr. Caligari (com um médico-cientista louco controlando um monstro) e O Golem (devido à criatura gigantesca).
De qualquer forma, o roteiro não deixa de fora importantes questões progressistas da obra de Shelley. Apesar de uma moralidade latente sobre os pecados do homem em tentar ser Deus, o roteiro tem a sensibilidade de retratar o monstro de Frankenstein como uma criatura que não é má por natureza, e sim por consequência do ambiente intolerante e violento em que vive, sendo muito mais uma metáfora sobre a selvageria e ignorância inerente à raça humana do que um simples filme de terror. O Monstro de Frankenstein não é “o” monstro, e sim os próprios humanos que o criaram. É claro que o Código Hays não deixaria mensagens como essas serem passados com literalidade, mas Whale acrescentou esses detalhes com uma sutileza muito inteligente. O filme também foi transgressor no modo como retratou a violência, já que até então, cenas com agulhas atravessando um corpo e de fogo muito próximo aos rostos não era comum, bem como um filme que explorava assalto e profanação de túmulos, além de um assassinato de uma criança. Algumas falas e cenas, como está última, tiveram que ser cortadas das exibições inicias do filme, devido a censura. E só retornaram ao corte final quando os filmes começaram a ser lançados em home video.
O roteiro já demonstra muita inteligência na forma como nos apresenta ao Dr. Frankenstein (Colin Clive), nos revelando inicialmente suas atitudes grotescas de caçar cadáveres logo após cortejos fúnebres, para depois passar longas sequências sem mostra-lo. Nesse ínterim, nós conhecemos o personagem através de impressões e relatos de amigos e parentes, o legitimiza aquela figura e cria um senso de antecipação angustiante sobre suas ações ocultas.
Como não poderia deixar de ser, a direção de arte de Charles D. Hall (Drácula) expande a iconografia do terror gótico e místico assim como o filme do Conde Drácula havia feito. O diretor Whale explora ambientes rurais com muitas colinas desertas frente a horizontes cheios de nuvens sombrias. Nesses ambientes, o diretor trabalha silhuetas de objetos macabros (como cruzes, lápides e até pessoas enforcadas), como também aproveita para criar quadros belíssimos (com grande contraste da fotografia em preto e branco) de masmorra no alto de uma colina sob uma tempestade de raios, ou um bucólico moinho envolto por um emaranhado de pessoas raivosas estendendo tochas, foices e podões. Imagens eternizadas no imaginário cinemático de terror.
Há de se notar o ambiente interno da masmorra assustadora do Dr. Frankenstein, que exibem aparatos científicos opressores e cheios de detalhe (criados por Ken Strickfaden), que criam um contraste de estranheza com a rusticidade e o gótico do restante do filme. Outro aspecto interessante do roteiro se deve à (brilhante) forma como o cadáver é ressuscitado com uso de eletricidade. Na história original de Mary Shelley, a forma de ressuscitação é muito vaga, e nunca fica esclarecida. Desde que Frankenstein foi lançado, a eletricidade sempre foi usada como a forma de trazer o monstro à vida.
A fotografia de Artur Edeson (de Casablanca e O Falcão Maltês), trabalha a proporção dos ambientes em relação aos personagens de uma forma muito simbólica. Enquanto os cenários parecem muito vastos e amplos em relação aos personagens humanos (quase diminutos), o monstro é sempre filmado com ângulos mais fechados que o torna “desconfortável” naquele ambiente. Esse efeito é mais facilmente observado nas cenas do calabouço do monstro, que parecem o oprimir de forma dolorosa (até pelas sombras duras) da mesma forma que as crueldades que Fritz (Dwight Fry) o faz.
Simbolismos também são bastante vistos na direção inteligente de Whale. A questão da obsessão com a criação, e a aproximação a Deus, são vistas na verticalização que o diretor fornece à suas imagens. O pé direito, principalmente da masmorra do Dr. Frankenstein, é enorme, e nunca conseguimos ver seu topo. De certa forma Whale faz um comentário sobre a impossibilidade de Dr. Frankenstein chegar ao lugar que tanto almeja. Além disso, o fato de a maca do monstro se erguer para além de nossos olhos é outra metáfora sobre os mistérios “dos céus”, que também ganha contornos profundos quando o monstro vê o sol pela primeira vez e ergue às mãos para o mesmo local de onde ganhou vida novamente.
Já demonstrando um senso de humor peculiar que ficaria ainda mais marcado em seus filmes de terror posteriores (A Casa Sinistra, O Homem Invisível e A Noiva de Frankenstein), Whale também é sábio ao brincar com sua montagem, como fazer cortes secos entre o rosto de Frankenstein e o monstro através da engrenagem e um moinho (quem é o monstro, afinal?). Tão recompensador quanto, também é a forma como Whale brinca com nossas emoções e expectativas na cena da garotinha Maria, já que mesmo com toda a inocência e beleza do momento, é impossível não exibir certa apreensão.
Claro que o mérito do sucesso do filme também se deve à grande interpretação de Boris Karloff. O ator transforma a criatura animalesca em um personagem muito mais multifacetado que poderíamos crer a princípio. Sem falas, o ator consegue demonstrar apenas com expressões faciais uma vulnerabilidade tocante embaixo daquela figura tão terrível (sua reação na cena da garotinha Maria é de partir o coração). Karoff passou por um processo de maquiagem memorável até os dias de hoje, obra de Jack Pierce. A imagem do Monstro de Frankenstein pálido, com olhos mortiços, cabeça achatada, com cicatrizes e pinos (pela troca de cérebros), além de eletrodos no pescoço é IMORTAL. Um grande trabalho.
Colin Clive também demostra carisma o suficiente para que mesmo os atos mais alucinados do Dr. Frankenstein sejam vistos com um certo pesar; sem contar que seu “It’s Alive! Alive!” é uma obra de arte. Já Edward Van Sloan faz o papel do cientista sábio assim como Van Helsing em Drácula, apesar de continuar não demonstrando muita vivacidade. Já Dwight Frye inaugura o filão de ajudantes bizarros e corcundas de médico loucos com uma intensidade tão grande quanto seu Renfield (também em Drácula), apesar de Fritz ser um personagem realmente detestável.
Infelizmente, o fim do filme também altera radicalmente o destino de alguns personagens importantes, para uma direção bastante moralista. Os produtores do filme não permitiram que o filme tivesse o final sombrio, e mais adequado, contido no livro de Mary Shelley.
Boris Karloff voltou a interpretar o Monstro de Frankenstein nas duas próximas continuações do filme, A Noiva de Frankenstein (1935) e O Filho de Frankenstein (1939). O personagem voltou aos cinemas na pele de Lon Channey Jr. em O Fantasma de Frankenstein (1942), Bela Lugosi em Frankenstein Encontra o Lobisomem (1943), e Glenn Strange em A Casa de Frankenstein (1944), A Casa de Drácula (1945) e Abott e Costello Às Voltas com Fantasmas (1948).
Assim como Drácula, mais de uma centena de adaptações sucederam ao filme clássico. Dentre as mais notórias estão A Maldição de Frankenstein (1957), a elogiada versão que a Hammer fez antes mesmo de seu clássico O Vampiro da Noite, trazendo Peter Cushing como Victor Frankenstein e Cristopher Lee como o monstro. Em 1990 Roger Corman fez uma cultuada versão de Frankenstein, trazendo Raul Julia como o cientista e John Hurt como a criatura. Mas foi em 1994 que Kenneth Branagh lançou Frankenstein de Mary Shelley, uma produção tão esplendorosa quanto a de Drácula de Bram Stoker. Com uma produção de Francis Ford Coppola, a versão de Branagh ainda é muito criticada por seu ritmo “histérico”, mas é inegável que seja uma adaptação muito fiel ao livro de Mary Shelley, e traz toques de tragédias Shakespearianas que só engrandecem os temas. Além de Branagh como Frankenstein, o filme ainda traz Helena Bonham Carter, Ian Holm, John Cleese e ninguém menos que Robert de Niro como o monstro. Uma obra-prima subestimada.
Frankenstein é laureado pelos estudiosos de cinema. O filme possui 100% de aprovação no RottenTomatoes, e foi selecionado para preservação no National Film Registry, pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, sendo considerado “culturalmente, historicamente, ou esteticamente relevante”. Além disso, o filme está inclusive no livro “1001 Filmes para Ver Antes de Morrer” de Steven Schneider.
Com um brilhantismo que só seria superado em A Noiva de Frankenstein, essa obra-prima de James Whale permanece tão impactante e contundente agora, quanto em 1931. Outro clássico obrigatório.
3 – A Múmia (The Mummy, 1932) de Karl Freund
“Death… eternal punishment… for anyone who opens this casket… In the name of Amon-Ra, the King of the Gods…”O terceiro vilão a ser acrescido ao “Legado de Monstros” da Universal foi uma criação original baseada em mitos Egípcios, e não um filme baseado em obras literárias famosas como Drácula e Frankenstein. A Múmia foi idealizado em consideração à descoberta da de uma câmara de tesouros do Faraó Tutancâmon, em 1922. Segundo a lenda, quem abrisse a câmara seria eternamente amaldiçoado pelos deuses do Antigo Egito.
Inicialmente, porém, a ideia do estúdio era trazer Boris Karloff novamente como um monstro (já que foi alçado ao patamar de estrela de primeira grandeza após Frankenstein), em um roteiro de Nina Wilcox Putnam chamado Cagliostro, sobre um homem que viveu durantes séculos. A contextualização egípcia foi acrescentada posteriormente no roteiro por John L. Balderston (O Último dos Moicanos), que passou pelos títulos de The King of the Dead e Im-Ho-Tep.
De certa forma, A Múmia lembra o roteiro de Drácula em muitos aspectos. O vilão é um ser sobrenatural amaldiçoado que viveu durante séculos. Ambos os monstros exercem poder hipnótico sobre suas vítimas, e escolhem como presa uma bela jovem. Até mesmo as interações sociais do monstro com os personagens são semelhantes; além de a Múmia repelir um determinado amuleto assim como o Conde Drácula repele crucifixos.
Ao contrário do que se imagina antes de assistir ao filme, o monstro de A Múmia não é aquela criatura decrépita, pútrida, lenta e enfaixada que ganhou o imaginário popular posteriormente. Essa personificação do monstro é vista apenas rapidamente, logo no início do filme. Posteriormente, o monstro vai se regenerando aos poucos, parecido ao que feito trabalhado na refilmagem aventureira de 1999. No entanto, a maquiagem do MESTRE Jack Pierce enche nossos olhos tanto quanto no anterior Frankenstein. Na rápida aparição do monstro logo depois de desenterrado, o nível de detalhes da composição é belíssimo. A textura ressecada e cristalizada do rosto de Boris Karloff é tão fascinante quanto assustador, assim como o design das faixas apodrecidas sobre o seu corpo enrijecido. Já a aparência regenerada, posterior, do monstro é tão interessante quanto, já que as rugosidades ressecadas de Ardeth Bay relembram a podridão da múmia com mais sutileza, além de trabalhar olhos mortiços muito fundos que dão um aspecto cadavérico maligno para a figura.
Para a direção de A Múmia a Universal apostou no diretor de fotografia Karl Freund, que além de ter trabalhado em Drácula, também trabalhou em Os Assassinatos da Rua Morgue. Freund não exibe um virtuosismo tão grande quanto Tod Browning em criar uma atmosfera macabra, ou a sagacidade cheia de metáforas de James Whale. Sinceramente, as cenas que focam no desenvolvimento da trama, sem a presença do monstro, possuem um ritmo até enfadonho, sem interesse, o que é piorado pelas atuações apáticas de David Manners (novamente o “mocinho” do filme após Jonathan Harker) e Edward Van Sloan (novamente interpretando ume estudioso após Drácula e Frankenstein). A protagonista feminina também não é uma presença muito agradável, já que Zita Johann (famosa atriz da Broadway da época) aposta em um tom de exagero teatral que não funciona mais para as plateias de hoje em dia.
No entanto, quando o filme foca no monstro encarnado por Boris Karloff (ou apenas “Karloff”, como o estúdio começou a promover), há um magnetismo inegável. Karloff novamente nos deslumbra com seu imenso talento. Utilizando um trabalho corporal que denuncia um certo esfacelo nada menos que adequado (reparem em seus movimentos lentos e curvatura incômoda), Karloff contrabalanceia essa fragilidade física a partir um olhar mórbido hipnótico (com fontes de luzes pontuais, assim como em Drácula) que entrega uma personalidade calculista e implacável.
O diretor Freund exibe um bom timming para criar tensão e terror. A cena da ressuscitação da múmia, por exemplo, trabalha uma montagem paralela que acentua a tensão entre dois ambientes diferentes; além de uma movimentação de câmera inteligente que explora, com sadismo, as informações privilegiadas que os espectadores possuem em relação aos personagens. A cena do passado de Imhotep também é memorável, já que usa uma trilha sonora própria e com tom melodramático para aclimatizar o tom de fantasia, explora um design de produção muito rico e imponente (principalmente nos templos dos Faraós), e ainda possui uma narração que deixa as imagens como se fossem de um filme do cinema mudo, inclusive com uso muito significativo de sequência à contraluz. Freund também é inovador na forma como retrata a violência, já que há uma cena de empalhamento muito chocante para a época, assim como os detalhes cruéis do processo de mumificação.
Além de aproveitar os ambientes de um museu sobre o Antigo Egito para aclimatizar os espectadores em seu misticismo, a fotografia em preto e branco de Freund também é bem utilizada, principalmente na forma de fotografar o vilão a luzes de velas e candelabros, o que enaltece ainda mais o tom místico.
Como curiosidade, o nome da múmia, Imhotep, é na verdade o nome do arquiteto egípcio que criou as magníficas pirâmides do Egito. Já o nome que ele toma para sai, nos momentos de socialização, Ardeth Bay, é na verdade um anagrama para “Death By Ra” (“Morte por Ra”). Esse nome, inclusive, seria o nome de um dos heróis da versão de A Múmia de 1999.
Em relação a esse monstro clássico, a Universal faria ainda vários outros filmes. Porém, o personagem Imhotep de Boris Karloff nunca mais voltaria a protagonizar nenhum filme, dando espaço para a múmia Kharis, eternizada nas telas por Lon Channey Jr. Kharis não é uma múmia que ressuscita através de uma maldição como Imhotep, mas sim uma múmia controlada por magia negra através de folhas de tana. A imagem da múmia nas sequências se tornou a figura mais icônica do monstro, explorando uma maquiagem de cadáver esfacelado e ressecado, com bandagens pútridas. As sequências são A Mão da Múmia (1940), A Tumba da Múmia (1942), O Fantasma da Múmia (1944), A Praga da Múmia (1944); além da versão paródica Abbott e Costello Caçando Múmias no Egito (1955).
Dentre outras versões famosas do monstro, está tradicional versão da produtora Hammer, A Múmia (1959) que traz na direção, novamente, Terrence Fisher (de O Vampiro da Noite e A Maldição de Frankenstein), além de Cristopher Lee como a múmia Kharis. Já A Múmia e O Retorno da Múmia de Stephen Sommers foram filmes pipoca divertidos para suas épocas, apostando em um tom aventureiro e de comédia que bebia muito na fonte de Indiana Jones. Apesar disso, o spin-off O Escorpião Rei, e a terceira parte, A Múmia – A Tumba do Imperador Dragão, (que não foram comandados por Stephen Sommers) são filmes muito ruins.
Apesar de não exibir todas as virtudes de outros filmes de monstros da Universal, A Múmia tem um personagem interessante o bastante (e uma excelente interpretação de Boris Karloff) para ganhar a atenção dos amantes do gênero.
4 – O Homem Invisível (The Invisible Man, 1933) de James Whale
“An invisible man can rule the world. Nobody will see him come, nobody will see him go. He can hear every secret. He can rob, and rape, and kill!”Retornando às adaptações de obras literárias famosas após A Múmia, o “Legado de Monstros” da Universal apresentou O Homem Invisível, baseado num livro de H.G. Wells. Weels é um dos grandes escritores de ficção científica da literatura, tendo também escrito obras como A Máquina do Tempo, Guerra dos Mundos e A Ilha do Dr. Moreau.
A direção do filme ficou novamente a cargo de James Whale, após o sucesso fenomenal de Frankenstein. Na verdade, a Universal ainda tentava convencer Whale a fazer uma sequência para Frankenstein, porém o diretor continuava a focar seu trabalho em novas histórias. Após a obra-prima de 1931, Whale dirigiu outro terror chamado A Casa Sinistra, onde pôde destilar todo seu talento para criar histórias de humor negro peculiar. Quando aceitou dirigir O Homem Invisível, Whale chamou um antigo amigo do teatro para roteirizar o filme, R.C. Sherriff, que também havia auxiliado o diretor no roteiro de A Casa Sinistra.
Antes de Whale embarcar no projeto, 14 outros tratamentos do filme haviam sido feitas, inclusive um que se passava na Rússia Czarista, e outra que se passava em Marte (!). Foi somente com a entrada de Sherriff na produção que o roteiro tomou mais o caminho do livro de H.G. Wells. A responsabilidade do roteirista era muito grande, já que Wels não havia gostado nenhum pouco da adaptação que fizera de A Ilha do Dr. Moreau em A Ilha das Almas Selvagens. Diferente de Drácula e Frankenstein, o roteiro de O Homem Invisível ficou bem fiel ao livro de Wells, sendo que o roteirista Sherriff também pegou elementos de O Assassino Invisível de Philip Wylie.
A escalação do ator para fazer o personagem título foi bem dificultosa. Boris Karloff, como não poderia deixar de ser, foi o primeiro ser considerado pelo estúdio. Porém, Karloff não queria interpretar um personagem que, literalmente, não apareceria no filme. Além disso, o próprio diretor Whale não gostava da ideia da voz de Karloff, e sim, uma voz que fosse mais “intelectual”. A descoberta de Claude Rains foi um acidente, já que Whale escutou a voz do ator, através de outra sala onde estava sendo exibido um vídeo-teste do ator. Todos consideravam Rains um ator muito ruim e exagerado, demasiado teatral, mas a voz de Rains era inegavelmente poderosa e bem articulada; e foi o suficiente para encantar o diretor.
A primeira coisa que nos chama a atenção em O Homem Invisível é o tom de humor negro peculiar de James Whale. O diretor consegue, com muita elegância, explorar humor de figuras excêntricas (como a personagem divertidamente exagerada de Una O’Connor, dona da estalagem que apareceria novamente em A Noiva de Frankenstein); e também de pessoas normais frente a situações excêntricas (como uma senhora correndo em desespero de um par de calças, em uma estrada deserta). Whale consegue usar o humor de forma que não tire a tensão do espectador frente ao terror, mas de forma a tornar orgânicas aquelas situações absurdas. Com muita inventividade, o diretor usa o humor para tornar mais crível algumas ações do monstro (como ao acompanhar uma gaveta “voadora” saindo calmamente de um banco), e para criar passagens mais mórbidas e engrandecer o vilão (como na memorável cena em que ele explica, de forma sádica, como acontecerá a morte de um personagem minutos antes de acontecer).
Aliás, os toques de humor negro nesse filme são acompanhados pela intensidade do horror e da violência. De todos os vilões do “Legado de Monstros” da Universal, o Homem Invisível é sem dúvidas o mais insano e sanguinário. Levado à loucura através de seu experimento de invisibilidade que não reverteu, o monstro mata pessoas por pura diversão e prazer, principalmente por estrangulamento, e on sceen. As ações da criatura vão desde apavorar aldeões ao brincar com objetos, até o descarrilamento trágico de um trem (em uma cena particularmente INCRÍVEL para os padrões da época). Whale deixa claro que o Homem Invisível é tão imprevisível quanto a dificuldade de reconhece-lo.
O roteiro do filme aproveita bem as mensagens implícitas do texto de H.G. Wells e as possibilidades que a existência que uma pessoa invisível traria para uma sociedade. Há a paranoia e histeria coletiva, como também a grande dificuldade e sensação de incapacidade da polícia frente a esse criminoso. O próprio conceito do vilão já é magnífico por si só, já que a ideia de O Homem Invisível, ao contrário dos outros vilões mitológicos do “Legado de Monstros”, é escancarar a natureza violenta e animalesca do ser humano. Qual os limites da ética e do caráter ara uma pessoa que pode realizar tudo que quiser sem que outras pessoas a vejam? Nós todos sabemos como o poder pode corromper, não é mesmo?
De certa forma, o roteiro de O Homem Invisível traz elementos muito próximos do de Frankenstein, já que ambos acompanham um cientista louco que permanece desaparecido por conhecidos; uma noiva preocupada com o destino do amado e até o amigo do protagonista que é secretamente apaixonado pela noiva. Porém, Whale realiza uma vendeta pessoal no filme, e cria conclusões para os personagens de uma forma mais sombria, como não pôde realizar em Frankenstein.
Grande parte da eficiência do filme também vem da estonteante atuação de Claude Rains. Exibindo tom de voz MARCANTE, com viés gutural e agudo, Rains se faz imensamente presente durante todo o filme, de uma forma que muitos atores não conseguem fazer nem com presença física. Se expressando de forma eloquente (por vezes, ensandecida), Rains aposta em gestuais caricatos que combinam com o absurdo do personagem (assim como sua gargalhada maligna debochada), mas sem nunca perder o tom de ameaça aterrorizante. Gloria Stuart, mais lembrada por ter sido a Rose idosa em Titanic, interpreta a “mocinha” Flora Cranley, mas tem muito pouco tempo de tela, já que o desenvolvimento Jack Griffin (Homem Invisível) é o foco. Como ponto negativo, há de se citar a atuação ruim e caricata de William Harrigan, como o amigo de Jack Griffin.
E não há como falar de O Homem Invisível sem citar os FANTÁSTICOS efeitos visuais criados por John P. Fulton, que foi diretor de segundo unidade de Alfred Hitchcock em filmes como Um Corpo que Cai, e ganhou o Oscar de Melhores Efeitos Especiais na versão dos anos 50 d’Os Dez Mandamentos. O que mais chama a atenção no filme, principalmente pela época em que foi feito, é a relação do homem invisível com os objetos de cena. A cena em que o vilão retirar seu nariz falso, óculos e bandagens pouco a pouco dá um tom mórbido para a figura como se fosse realmente uma “casca” oca. E é nos pequenos detalhes que nós conseguimos perceber a verdadeira genialidade dos efeitos Por exemplo: para enaltecer a estranheza de estarmos vendo um robe “oco” sentado na poltrona gesticulando, os cineastas fazem questão de mostra-lo acendendo um cigarro e fumando. Notem também, na cena em que o vilão vai buscar seus cadernos na estalagem do início do filme, como a delicadeza da abertura da janela (envolvendo uma cadeira, um vaso de plantas e uma cortina) torna tudo aquilo muito mais crível e genuíno.
Com a elegância de sempre, James Whale também explora muito bem suas ambientações. O início do filme é excelente em aclimatar o espectador ao transitar entre um ambiente noturno campestre, opressor, com forte nevasca e natureza morta; enquanto o interior da estalagem é bem iluminado e fotografado em um plano sequência divertido. No momento que o vilão chega à estalagem, com uma figura memorável e aterradora de bandagens, chapéu e óculos escuros, a estalagem é filmada com quadros angulados que causam estranheza. Além disso, Whale faz brincadeiras cheia de estilo ao sempre colocar vasos de flores em cenas da personagem Flora.
Como não poderia deixar de ser, o filme foi um imenso sucesso de público e crítica. Venceu um prêmio especial no Festival de Veneza de 1934, e ainda foi selecionado para preservação no National Film Registry, pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, sendo considerado “culturalmente, historicamente, ou esteticamente relevante”. Possui 100% de aprovação no Rotten Tomatoes.
O personagem também apareceu em O Retorno do Homem Invisível (1940) onde o GRANDE Vincent Price interpreta o vilão da vez; A Mulher Invisível (1940), que adotou um tom de comédia puro; O Agente Invisível (1942), que colocou o homem invisível infiltrado na Segunda Guerra Mundial, e A Vingança do Homem Invisível (1944). Como não poderia deixar de ser, o monstro também teve um crossover com a dupla Abbott e Costello em Abbott e Costello Encontram o Homem Invisível.
Em 2000, a obra de H.G. Wells teve outra adaptação famosa em O Homem em Sombra, comandada pelo subestimado Paul Verhoeven, do recente Elle. O diretor de Conquista Sangrenta, Instinto Selvagem, Robocop – O Policial do Futuro e O Vingador do Futuro traz sua carga sexual característica para o filme, assim como seu senso de humor sarcástico. Estrelado por Kevin Bacon, Elizabeth Sue e Josh Brolin, o filme é bem eficiente e possui efeitos especiais espetaculares (o desaparecimento gradual do cientista é de encher os olhos). Mesmo não sendo tão regular quanto suas melhores obras, ao menos o filme fica de longe da ruindade de um Showgirls
Misturando terror e ficção científica, com toques de humor negro genuínos, O Homem Invisível é mais uma prova do imenso talento de James Whale. Além de trazer uma impressionante atuação de Claude Rains como o mais insano dos “Monstros da Universal”. Outro clássico obrigatório.
5 – A Noiva de Frankenstein (The Bride of Frankenstein, 1935) de James Whale
“We Belong Dead”A Noiva de Frankenstein foi um filme que transcendeu todas as expectativas possíveis da crítica e do público. Além de ser considerado até melhor que o filme original, algo muito raro para sequências, o filme conseguiu desenvolver temas e mensagens ainda mais transgressores para o período. É considerado a epítome, o maior expoente artístico, de todos os filmes do “Legado de Monstros” da Universal.
Como já é sabido, James Whale não queria retornar ao universo do Monstro de Frankenstein para fazer uma sequência. Até conseguir convencer o diretor, o estúdio planejou várias possíveis tramas para o filme. Uma delas era a possibilidade de o próprio monstro continuar os experimentos de Dr. Frankenstein, enquanto outra, trabalhava a ideia de Henry construir um raio da morte às vésperas de uma Guerra Mundial. Por sorte nossa, Whale aceitou retornar para a sequência após muita insistência do estúdio. Porém, o diretor só se propôs a trabalhar em A Noiva de Frankenstein após ter garantido liberdade criativa, e orçamento, para que ele pudesse fazer tudo que quisesse. Afinal de contas Whale já era um diretor de muito prestígio.
Um fato interessante é que, após o imenso sucesso do primeiro filme, o próprio monstro foi popularizado como “Frankenstein”. Daí surgiu uma das máximas mais famosas do cinema, assim como a dúvida sobre quem é o assassino em Sexta-Feira 13: “Quem é Frankenstein? O médico ou o monstro?” O “clássico” da Sessão da Tarde, Deu a Louco nos Monstros, inclusive brinca com essa dúvida, ao coloca-la em um questionário para a seleção de novos membros do “Monster Squad”.
O roteiro do filme é de autoria de William Hurblut, tendo sido seu filme mais famoso. Porém, é inegável que o roteiro tenha sofrido alterações por parte de James Whale. Uma as inovações do roteiro é fazer com que o monstro fale, o que o tornou mais próximo do monstro pensante, e até filosófico do livro original de Mary Shelley. Aliás, os eventos retratados na sequência são todos oriundos da obra de Shelley, que não foram retratados no filme original. E ainda mais que o longa de 1931, A Noiva de Frankenstein traz reflexões, muito à frente de seu tempo, sobre diversas questões sociais.
Há uma exploração muito maior acerca das facetas do monstro, sendo que fica ainda mais claro que todos eventos aterradores causados pela figura são, na verdade, reações contra ações injustas e intolerantes. Há um comentário muito forte sobre a reação selvagem da raça humana frente a tudo que é diferente, principalmente pelos personagens intencionalmente caricaturais e excêntricos (reparem no exagero divertido de Una O’Connor, também de O Homem Invisível). A passagem, em especial, do encontro do monstro com o homem cego na mata, desenvolve momentos de muita reflexão sobre os males da vaidade humana, e a supervalorização da “figura externa”. Além de trazer diálogos que e situações que ajudam no desabrochar da personalidade “infantil” do monstro, a sequência também fornece coerência narrativa para o posterior encontro do monstro com o excêntrico Dr. Pretorius (Ernest Thesiger, magnífico).
Apesar de Boris Karloff não ter concordado com o fato de o monstro falar a princípio, é inegável que esse aprendizado tenha gerado ainda mais aprofundamento para o personagem. Karloff tem mais espaço em tela aqui na sequência, e enaltece ainda mais o drama do monstro e a vontade de fugir daquele ambiente onde é hostilizado. O ator dignifica sua interpretação pelo modo como transmite sentimentos muito complexos (como ao tecer dúvidas no encontro com a noiva), a partir de expressões básicas literais de uma mente infantil. Lindo de se ver.
Além disso, Whale dá um “tapa de pelica” no moralismo religioso do Código Hays. Homossexual assumido, Whale sabia o que era viver à margem da sociedade absurdamente religiosa; não à toa a grande identificação com o monstro incompreendido. Com muita inteligência, Whale cria planos que enfocam cruzes de Jesus Cristo em paralelo com seu monstro, igualando o sofrimento daquelas duas figuras vítimas da ignorância. Em determinado momento, o monstro encontraria uma imagem de Jesus Cisto em uma lápide de cemitério e se identificaria com sua expressão sofrida. Como os puritanos da MPAA exigiram cortar essa cena, Wahle criou outra, ainda mais crítica e inteligente, onde o monstro destrói uma imagem de um bispo em um cemitério, com a uma enorme cruz ao fundo. Já em um diálogo de Dr. Pretorius e Dr. Henry (Colin Clive, tão bom quanto antes) o cientista faz um comentário irônico sobre as histórias “fantasiosas” da bíblia.
O Dr. Pretorius aliás, um personagem que não existe na obra de Mary Shelley, é a figura excêntrica tradicional dos filmes de James Whale. Claramente camp e com referências homossexuais, há uma sensação de outsider latente à figura, apesar de manter uma aura maléfica que é responsável por fortes questões morais e éticas a serem discutidas no filme. Ernest Thesinger, que já havia trabalhado com Whale em A Casa Sinistra, sabe equilibrar um tom de humor sarcástico e a vilanidade clássica do personagem. Em um papel considerado inicialmente para Bela Lugosi e Claude Rains, Pretorius e fotografado com quadros angulados e altos para enaltecer a figura sobre Dr. Henry; além de um uso de sombras quase teatral (como ao revelar seu rosto calmamente) que combina com as cores sombrias de seu figurino, em contraste com as cores tristes de Dr. Henry. Outro excelente trabalho de Vera West.
A maquiagem de Jack Pierce volta a nos impressionar bastante. A figura do monstro evolui de forma coerente com os acontecimentos. Além de implementar queimaduras e mais cicatrizes ao rosto e mãos do vilão, Pierce também revela mais elementos cirúrgicos de sua concepção (mais pinos e grampos em sua cabeça). Já a noiva de Frankenstein é maquiada de uma forma mais suavizada que contrasta com a rusticidade do monstro, apesar de sua “beleza” ocultar terríveis cicatrizes em seu pescoço, algo muito simbólico. Já o famoso cabelo da personagem é utilizado para simbolizar a eletricidade que gera a vida, não só por sua armação estranha, com também as funestas mechas brancas que simulam raios. A atriz Elsa Lanchester (Testemunha de Acusação) aliás, faz um trabalho excelente ao emular movimentos erráticos e olhares de presas selvagens, para a composição da noiva.
Com ainda mais sofisticação que nas obras anteriores, Whale chega até a brincar com metalinguagem. Além de introduzir o filme com uma passagem que comenta história da criação do conto de Frankenstein, com a participação de Mary e Percy Shelley, além de Lord Byron, Whale ainda cria uma rima formidável ao colocar Elsa Lanchester interpretando tanto Mary quanto a noiva. O diretor também filma lindamente os ambientes góticos e opulentos da história (o castelo de Frankenstein é fabuloso em seus ricos detalhes), assim como os ambientes externos tradicionais do terror clássico. Observem, por exemplo, como a floresta onde o monstro foge a primeira vez é bastante bucólica e florida (representando sua liberdade); em contraste com a floresta inóspita de troncos secos onde ele é perseguido por uma multidão enfurecida. Aliás, o tom sombrio e opressor do filme permanece crescente até o final, com o ápice sendo o cemitério aterrador onde o monstro é obrigador a se esconder, justamente sua origem, olhem que irônico!
Além disso, os efeitos especiais do filme continuam excepcionais, sendo ainda mais bem trabalhados pelos movimentos de câmera mais desafiadores de Whale. Dessa vez conseguimos acompanhar a maca do cadáver a ser ressuscitado até o topo da icônica masmorra, além de ter um trabalho de sonoridade ainda mais rico (e consequentemente mais genuíno para o lado científico) que o original.
A Noiva de Frankenstein é o primeiro filme do “Legado de Monstros” da Universal que possui uma trilha sonora própria para o filme, sempre presente e comentando as passagens. O compositor Franz Waxman (que trabalhou com Hitchcock em obras como Janela Indiscreta), consegue criar temas próprios para cada um dos personagens de acordo com sua personalidade. Reparem nos acordes rústicos e grosseiros do monstro de Frankenstein, em contraste com os toques de violino com viés perturbador da noiva. Waxman também é inteligente ao comentar as passagens com sua música, como ao sonorizar batidas (como as do coração, da cena anterior) no momento que Karl (Dwight Fry, insano novamente) ataca uma jovem para extrair seu coração. Ou até mesmo implementar os acordes nupciais da criação da noiva, no momento que Dr. Pretorius introduz essa ideia para o monstro.
Infelizmente, A Noiva de Frankenstein sofre do mesmo final moralista do primeiro filme, desta vez, por conta do estúpido Código Hays que controlava as produções cinematográficas da época, nos EUA.
Em 1998 o diretor Bill Condon (do recente A Bela e a Fera) lançou o excelente filme Deuses e Monstros, baseado no livro de Cristopher Bram, acerca de uma parte da biografia do diretor James Whale. Trágico e comovente, o filme retrata os últimos dias de Whale antes de cometer suicídio, envolvendo dramas de sua vida pessoal, os desafios d ser homossexual em uma época tão preconceituosa, e sua frustração com relação aos seus últimos trabalhos. Como não poderia deixar de ser, o filme explorar eventos dos bastidores de Frankenstein e A Noiva de Frankenstein, além de fazer um metafórico paralelo dos terrores pessoais do diretor com as histórias de seus maiores clássicos. O GRANDE Ian McKellen interpreta Whale, e foi indicado ao Oscar por sua performance. Já Bill Condon, recebeu o Oscar de Melhor Roteiro por seu trabalho. Deuses e Monstros é um retrato fascinante de um gênio da sétima arte!
A Noiva de Frankenstein foi um sucesso ainda maior que o filme original na época de seu lançamento, inclusive concorrendo ao Oscar de Melhor Som.
Com 100% de aprovação no Rotten Tomatoes, o filme também foi selecionado para preservação no National Film Registry, pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, sendo considerado “culturalmente, historicamente, ou esteticamente relevante”. Além disso, é uma das obras que integra o “1001 Filmes para Ver Antes de Morrer” de Steven Schneider, além de estar na lista de “Grandes Filmes” de Roger Ebbert,
Intensamente macabro e campy em sua fantasia de horror e ficção científica, A Noiva de Frankenstein é uma obra-prima a frente de seu tempo. Um triunfo do cinema estadunidense. E nem precisar dizer que é obrigatório, né!?
6 – O Lobisomem (The Wolf Man, 1941) de George Waggner
“Even a man who is pure at heart, and says his prayers by night, may become a wolf when the wolfbane blooms and the autumn moon is bright.”O Lobisomem é o filme de licantropia máximo do estúdio, integrante na coleção essencial do “Legado de Monstros” da Universal. Porém, não foi o primeiro, já que na década anterior a Universal já havia lançado O Lobisomem de Londres. Este último, não havia sido muito bem recebido em sua época, sendo que O Lobisomem ficou especialmente marcado como clássico inovador da licantropia principalmente pela mitologia criada ao redor da criatura.
O roteiro de Curt Siodmak inventou as principais características clássicas ligadas ao lobisomem. Originalmente, o lenda do lobisomem girava em torno de um homem comum que fazia um pacto com o diabo. Ele poderia se transformar em lobo o momento que quisesse, além de não ser imortal. Foi somente no roteiro de Siodmak que o conceito de a licantropia ser contagiosa, através da mordida de um lobisomem, foi introduzido, basicamente pegando ideias de vampirismo. Nesse filme também foi introduzida a ideia de o lobisomem se transformar apenas em notes de lua cheia, estar relacionados com pentagramas e ser aniquilado apenas por objetos de prata.
O próprio roteirista alega que criou em O Lobisomem uma metáfora de sua vida na Alemanha durante a II Guerra Mundial. A ideia era simbolizar o homem comum se transformava em uma besta assassina (soldados nazistas), e caçava pessoas marcadas com um pentagrama (a Estrela de Davi do povo judeu). O filme também pode ser visto como uma alegoria sobre a adolescência, com todas as mudanças corporais e a sensação de inadequação. Isso seria principalmente trabalhado em obras posteriores como a comédia O Garoto do Futuro (1985) e o cult Possuída (2000).
Na verdade, a história de O Lobisomem causou muita empatia no público por se tratar de um personagem humano amaldiçoado. O monstro aqui não é uma criação maldita como Frankenstein, um monstro demoníaco como Drácula, ou um cientista assassino como O Homem Invisível. O sucesso foi tão grande que o roteirista escreveu ainda vários outros roteiros dos filmes de monstros da Universal, além de ter trabalhado na clássica sci-fi B A Invasão dos Discos Voadores.
Já o diretor George Waggner, tinha bastante experiência em filmes de faroeste. Apesar de não demonstrar tanta sofisticação quanto James Whale, ou as composições inovadoras de Tod Browning, Waggner soube enriquecer o imaginário clássico do terror através de sua ambientação muito bem trabalhada. O trabalho imagético das noites de lua cheia de O Lobisomem impõe uma atmosfera de horror mitológico que é difícil de tirar da cabeça. Os cenários aproveitam um ambiente rural de escuridão profunda e um véu denso de bruma que parece ocultar horrores daquele chão. A escuridão só é pontuada por luzes oriunda da lua cheia, enquanto o horizonte à frente daquele terreno só denota mais temor por ser desoladoramente deserto. As cenas do lobisomem caminhando por aquele ambiente macabro são terenas no imaginário dos fãs.
Apesar de obviamente datados, os efeitos visuais do filme são trabalhados pelo diretor em uma escala gradual de intensificação da qualidade. Enquanto a primeira transformação é demonstrada apenas com o foco nas pernas do monstro, as outras seguintes ganham uma escala cada vez maior, culminando no rosto do personagem. Há de se destacar também o trabalho simbólico da direção para enquadrar o protagonista frente a figuras religiosas, como o plano que coloca o enorme altar de uma igreja para oprimir o personagem maldito. Além disso, o filme possui uma passagem de alucinação que traz conceitos que, mais tarde, seriam utilizados com mais refinamento em Um Corpo Que Cai.
A sensação de temor pela criatura também é oriunda da maquiagem excepcional de Jack Pierce. Fugindo um pouco do quadro mais antropomorfizado (e até estiloso) do monstro de O Lobisomem de Londres, Pierce intensifica o grotesco dos pelos faciais, dos membros deformados, das presas enormes e da mandíbula projetada. Além disso, o conceito de um lobisomem bípede causa uma estranheza ainda maior que uma criatura quadrúpede como em Um Lobisomem Americano em Londres, embora esteja último também seja aterrador.
O caráter aterrador da criatura também é oriundo da interpretação animalesca de Lon Channey Jr. Filho do “Homem das Mil Faces”, o ator se movimenta com um desconforto bizarro como o monstro, além de exprimir uma fúria incontrolável através de seus olhos. No entanto, sua interpretação como Larry Talbot não é particularmente expressiva, rendendo momentos de drama e sofrimento bastante caricatos. Inicialmente, Boris Karloff foi cogitado para o papel, além de Bela Lugosi ter feito campanha também.
Em relação a atuações, a limitação de Lon Channey Jr. na versão humana do personagem não pode ser dita também sobre a interpretação de Claude Rains. Bem mais contido que em O Homem Invisível, Rains evoca uma sobriedade muito suspeita como Sir John Talbot; sendo que suas cenas com o filho denotam um passado meio sombrio, e rancor, naquela família. Já a “mocinha” Evelyn Akers demonstra bastante carisma, principalmente pela personalidade progressista (em comparação com o tradicional da época) de sua personagem. Já Bela Lugosi, faz uma participação especial como um cigano sombrio, utilizando sua presença magnética para engrandecer o tom místico do filme
A direção de arte do filme, de Jack Otterson (Sabotador, de Hitchcok), é muito bem realizada, principalmente, pelos detalhes do acampamento cigano. Com vários objetos de cena, os ambientes ciganos denotam a riqueza daquela cultura e cria um contraste estranho com a sobriedade dos ambientes urbanos. E essa estranheza ajuda na implementação do sobrenatural ao filme. Já a trilha sonora é hábil ao comentar as passagens, embora sem o refinamento inteligente de A Noiva de Frankenstein. Já os efeitos sonoros dos uivos dos lobos, e os sons de floresta noturna, ajudam ainda mais na imersão daquela história de terror.
Além de O Lobisomem de Londres (1935) e A Mulher-Lobo de Londres (1946), a Universal também lançou, com o personagem, Frankenstein Encontra o Lobisomem (1943), A Casa de Frankenstein (1944), A Casa de Drácula (1945) e Abbott e Costello Às Voltas com Fantasmas (1948). Todos eles tiveram a participação de Lon Channey Jr. como o monstro.
Na história do cinema, vários outros filmes sobre licantropia merecem destaque por se basearem na criação de Curt Siodmak. A Hammer, como não poderia deixar de ser, realizou o cultuado A Maldição do Lobisomem (1961), novamente dirigido por Terrence Fisher, e com Oliver Reed (The Brood – Filhos do Medo) como o personagem título. Nos anos 80, tivemos uma “trinca” de filmes clássicos sobre lobisomens, começando pelo excelente cult Grito de Horror, de Joe Dante (Gremlins). O filme apresentou uma excepcional maquiagem de Rob Bottin (O Enigma de Outro Mundo) e um roteiro com tons de humor, que citava diretamente o clássico de 1941; além de ser verdadeiramente assustador e contar com Dee Wallace Stone (E.T. – O Extraterrestre) no elenco. Já no ano seguinte, John Landis lançava aquele que seria considerado o melhor filme de lobisomem da história do cinema, Um Lobisomem Americano em Londres. O filme exibiu um trabalho de maquiagem inovador de Rick Baker, que foi o primeiro profissional do ramo a receber um Oscar específico de maquiagem pelo filme. Além disso, Landis conseguiu unir o típico humor britânico perfeitamente ao terror do filme. Assim como Grito de Horror, é um clássico do gênero. Já em 1985 foi lançado A Hora do Lobisomem (ou Bala de Prata), adaptado de um livro de Stephen King. Este último não é tão marcante quanto os dois primeiros, mas adota um tom juvenil digno de Conta Comigo, e permanece sendo um belo exemplo de suspense e mistério da licantropia.
Além disso, também são bons exemplares: A Companhia dos Lobos (1984), dirigido elegantemente por Neil Jordan, 10 anos antes de Entrevista com o Vampiro, utilizando a licantropia como alegoria para o despertar da sexualidade. Lobo, que o sensacional Mike Nichols dirigiu nos anos 90 após o sucesso de Drácula de Bram Stoker, e que traz um elenco de peso em encabeçado por Michelle Pfeiffer, James Spader, Cristopher Plumer e ninguém menos que Jack Nicholson como o monstro. O cultuado Possuída (2000), que também realiza uma metáfora interessante sobre o despertar da adolescência, e ainda traz comentários críticos sobre como a sociedade vê a liberação sexual das mulheres. E Dog Soldiers – Cães de Caça, que marca estreia de Neil Marshall (da obra prima Abismo do Medo) como um The Evil Dead com lobisomens no lugar de demônios.
O Lobisomem teve uma refilmagem homônima em 2010. Apesar do bom diretor Joe Johnston (Capitão América: O Primeiro Vingador), e o elenco estelar (Benicio Del Toro, Anthony Hopkins, Emily Blunt e Hugo Weaving), o filme apresenta muitos problemas de roteiro e ritmo. Além disso, a fantástica maquiagem de Rick Baker (vencedora do Oscar), é eclipsada por fracos efeitos visuais.
Incluído entre os “1001 Filmes Para Ver Antes de Morrer”, de Steven Schneider, O Lobisomem é um horror clássico de mão cheia que ditou todas as regras dos filmes de licantropia posteriores. Poucos filmes possuem uma atmosfera de terror tão macabra quanto este.
7 – O Fantasma da Ópera (Phantom of the Opera, 1943) de Arthur Lubin
“See? Didn’t I tell you it was beautiful? You didn’t know we had a lake all to ourselves, did you?”Apesar desta versão de 1943 do livro clássico de Gaston Leroux ser a versão escolhida pela Universal para compor a coleção essencial de seu “Legado de Monstros”, é inegável que a versão de 1925 estrelada por Lon Channey no cinema mudo seja muito melhor.
Na verdade, o filme de Lon Channey foi lançado pouco antes do início do cinema sonoro, e fez imenso sucesso. O estúdio até chegou a lançar uma versão dublada do filme, apesar da discordância de Lon Channey. Durante os anos seguintes, o estúdio cogitou readaptar a obra de Gaston Leroux diversas vezes, inclusive em um filme de paródia da famosa dupla Abbott e Costello, com Lon Channey Jr. interpretando o fantasma. Felizmente, a nova adaptação foi realizada com o tom sério, e toda a pompa que merecia. Claude Rains foi contratado para interpretar outro monstro clássico do estúdio após O Homem Invisível, apesar de Cesar Romero (o Coringa da versão campy anos 60 do Batman) e Boris Karloff terem sido cogitados.
O Fantasma da Ópera talvez seja o projeto do “Legado de Monstros” mais ambicioso do estúdio. Foi o primeiro filme da franquia a ser lançado em Technicolor, além de ter um orçamento enorme para valorizar sua produção. O filme foi gravado no estúdio onde havia sido construído o auditório e o palco da ópera de Paris do filme de 1925.
Realmente, os valores de produção do filme são incríveis. Todos os cenários do filme, desde a ópera de Paris, até as casas dos personagens, e as ruelas parisienses, são construídos com um esmero incrível para detalhes. A Ópera de Paris, em especial, é toda trabalhada em entalhes luxuosos dourados, e cortinas vermelhas, com uma extensão grandiosa que transmite muita opulência. Já o setor administrativo da Ópera, com a pomposa arquitetura da Era Vitoriana, é uma obra de arte de encher os olhos. O mesmo pode ser dito até para os cenários mais “singelos” do filme, seja o simples, mas aconchegante, apartamento de Christine, ou melancólico quarto onde vive Erique Claudin, que é inundado por uma cor azul triste, mas com uma visão bucólica da vista de Paris.
A fotografia Technicolor, aliás, acentua todo o luxo e diversidade de cores do filme. Nas cenas das apresentações teatrais, por exemplo, o multicolorido dos figurinos dos atores cria um mosaico belíssimo nos enquadramentos de Arthur Lubin. Além disso, o vermelho imponente das cortinas do teatro funciona como um presságio macabro pelo que está preste a acontecer lá; enquanto o azul escuro das galerias subterrâneas de Paris não só denota um caráter mórbido m comunicação com a personalidade do vilão, como também uma rima visual com seu antigo quarto.
A direção de Arthur Lubin exibe altos e baixos. O diretor inicia o filme de forma muito inteligente, já que, assim como Alfred Hitchcock, utiliza os ensinamentos básicos do cinema mudo para criar uma sequência que, sem diálogo algum, nos apresenta a todos os personagens principais, e suas motivações; somente por feições e troca de olhares dos atores durante uma apresentação de ópera. Porém, a sofisticação do diretor nesse início perde força no longuíssimo segundo ato do filme. Durante muito tempo, o longa-metragem desvia seu foco do desenvolvimento do vilão e perde bastante tempo nas apresentações teatrais. É como se Lubin estivesse tão hipnotizado pelas belezas plásticas daquele palco de Paris, que sacrificasse completamente o senso de ritmo do filme para privilegiar as apresentações. Realmente, as cenas de óperas são lindamente fotografadas e coreografadas (um excelente trabalho de elenco de apoio), porém elas não servem para levar a trama adiante.
As inclusões dos elementos cômicos no filme também prejudicam muito a obra. O roteiro desenvolve a subtrama amorosa da protagonista Cristhine (Susanna Foster) como se fosse uma comédia romântica, completamente fora do clima sombrio do filme. O pior é que a relação entre Christine e o fantasma, que é o centro emocional da história, é completamente negligenciada para dar enfoque nos pretendentes amorosos da protagonista.
E se a atriz é carismática e doce o suficiente para que torçamos por sua personagem, o mesmo não pode ser dito dos “galãs” Nelson Eddy e Edgar Barrier, que caem na caricatura não intencional de forma trágica. Além disso, é muito estranho ver uma atriz tão nova (com apenas 17 anos, na época), tendo como par romântico atores muito mais velhos. O problema não é em relação à idade dos personagens em si, mas sim em relação ao machismo existente em Hollywood até hoje, que não aceita o envelhecimento de suas atrizes e as descartar cruelmente assim que algumas rugas começam a aparecer; enquanto o mesmo não acontece com os homens.
Já Claude Rains exibe uma de suas melhores performances aqui em O Fantasma da Ópera. Sempre com um tom derrotado e melancólico (suas feições ao conversar com a governanta são de partir o coração), Rains dá uma camada muito mais humana e profundo para o fantasma. Com belos momentos de emoções sutis (como ao tocar o violino sozinho para seu maestro), o ator cai em alguns momentos de exagero histriônicos quando tem sua cena de transformação; mas esta é sua única falha. Rains é um pouco sabotado pela direção do filme, que o esquece durante quase todo o segundo ato. No entanto, o uso de sombras para marcar sua presença e realizada de uma bela forma expressionista e fantasmagórica.
Após um segundo ato muito irregular, o diretor Lubin consegue reergue o ritmo do filme na terceira parte. Com um senso de urgência adequado, o diretor não chega no brilhantismo de Alfred Hitchcock durante a cena da orquestra de O Homem que Sabia Demais (embora pudesse). Porém, os enquadramentos do diretor exploram uma enorme profundidade de campo, seja nos planos inclinados das passarelas suspensas dos bastidores (assustadoras em suas inclinações), seja nas sombrias galerias subterrâneas que nunca parecem ter fim.
A maquiagem de Jack Pierce é interessante em seu senso de repugnância, mas não chega a fazer justiça ao magnífico trabalho de Lon Channey no filme de 1925. Na verdade, a exigência da maquiagem simples foi do ator Claude Rains, que não autorizou uma maquiagem mais elaborada para ficar menos tempo no preparo. Uma pena. O mesmo não pode ser dito do figurino de Vera West, veterana dos filmes de monstros. A figurinista explora todas as ricas possibilidades dos figurinos da Era Vitoriana, recriando aquela época com muita credibilidade. Além disso, é interessante notar como o vestido de Christine ganha uma tonalidade azul da mesma cor da máscara do fantasma, ao final do filme.
Além da famosa versão de 1925, O Fantasma da Ópera também teve uma versão da Hammer em 1962, novamente dirigido por Terrence Fisher. O filme trouxe Herbert Lom como um fantasma mais condescendente e gentil, diferente do fantasma assassino das outras versões. Nos anos 70, Brian de Palma fez uma versão não oficial d’O Fantasma da Ópera no divertido O Fantasma do Paraíso. O filme também traz elementos de Fausto e O Retrato de Dorian Gray, em um universo musical espalhafatoso que vai desde o rock dos Beach Boys até o Glam Rock. Com todo o talento da câmera hipnótica e estilosa de Brian de Palma, O Fantasma do Paraíso é uma excelente pedida para quem gostou de Rocky Horror Picture Show.
Até hoje um dos maiores sucessos da Broadway, a adaptação musical feita por Andrew Lloyd Webber foi levada aos cinemas por Joel Schumacher nos anos 2000. Muito controversa, essa versão peca pela péssima escolha de atores (Gerard Butler como o fantasma é de doer os ouvidos), além de apelar para uma afetação típica do diretor de Batman Eternamente e Batman e Robin.
Com uma produção ESPLENDOROSA, e ganhador dos dois Oscars em 1944 (Melhor Fotografia e Melhor Direção de Arte, para um filme a cores), O Fantasma da Ópera é o “menos bom” de todos os filmes de monstros clássicos da Universal. No entanto, só o fato de estar dentro do “Legado de Monstros” já é motivo suficiente para merecer uma conferida.
8 – O Monstro da Lagoa Negra (Creature from the Black Lagoon, 1954) de Jack Arnold
"I can teel you something about this place. The boys around here call it "The Black Lagoon" - a paradise. Only they say nobody has ever come back to prove it."Enquanto os anos 30 e 40 exploraram o terror oriundo do sobrenatural, mitos e lendas, a década seguinte explorou um terror oriundo da ciência e do desconhecido espaço sideral. O fim da II Guerra Mundial gerou a Guerra Fria, a Corrida Espacial entre EUA e União Soviética, e as possibilidades terríveis da ciência em nome da guerra, já que as tragédias de Hiroshima e Nagasaki marcaram as pessoas. Desta forma, vilões mitológicos como Drácula, Frankenstein e Lobisomem não só haviam se desgastado pelas inúmeras sequências (confiram a lista no fim do artigo); como também já haviam sucumbido para filmes paródicos.
O verdadeiro terror do cinema na nova década estava relacionado à monstros terrestres oriundos de radiação e experimentos científicos, ou sci-fis com alienígenas assassinos. Longas como A Mosca da Cabeça Branca, O Monstro do Ártico, O Monstro do Mar Revolto, O Terror que Veio do Espaço, A Invasão dos Discos Voadores e tantos outros, enchiam as matinês da época.
Se adequando aos novos tempos, a Universal criou seu último personagem do “Legado de Monstros” em acordo com o viés científico do novo cinema fantástico. O Monstro da Lagoa Negra não é um alienígena, ou uma criatura oriunda de radiação, mas sim um elo perdido entre os seres aquáticos primitivos e os terrestres, que é encontrado através de um grupo de pesquisa. E acreditem ou não, o Gill Man (como é chamado o monstro do filme) é BRASILEIRO! Sim, isso mesmo! O Brasil também tem seu representante no cânone de monstros do cinema clássico. O Gill Man é uma criatura que vive no meio da floresta amazônica, em um reduto completamente selvagem, onde fica a sombria “Lagoa Negra”.
O filme foi rodado com uma técnica primordial de 3D, para aproveitar ao máximo as possibilidades das cenas embaixo d’água. Apesar desta técnica arcaica ter sido muito criticada, o diretor Jack Arnold explorou muito bem a grande profundidade de campo que cenas submersas possibilitam. Com uma bela fotografia em preto e branco, o diretor trabalhou a paleta monocromática para dar ao lago o tom macabro que justifica o título do filme. Além disso, o diretor cria planos plasticamente belíssimos ao fotografar a protagonista Kay (Julie Adams) nadando em um magnífico contra-plongèe, como se estivesse voando em uma imensidão branca. O quadro não é só MUITO elegante, como também chega à genialidade quando percebemos que aquilo é um olhar subjetivo do monstro, e o modo “invertido” como ele enxerga o mundo.
O diretor Jack Arnold se especializaria em filmes B sci-fi da década de 50, dirigindo ainda longas cultuados como Veio do Espaço, Tarântula!, e o clássico O Incrível Homem que Encolheu. Arnold cria várias boas sequências de ação embaixo d’água, criando um imagético tão rico em beleza e ritmo (com os movimentos necessariamente lentos, que ditam uma TENSÃO latente) quanto as cenas semelhantes do posterior 007 Contra a Chantagem Atômica. Além disso, o diretor filma com muita credibilidade seus ambientes externos da floresta úmida. O design de som é rico em barulhos característicos de natureza selvagem, que unidos à densa mata ao redor e o preto total da Lagoa Negra nas cenas noturnas, aclimata os espectadores em um ambiente completamente hostil e assustador.
O roteiro do filme traz muitos elementos de O Mundo Perdido (1925) e King Kong (1933). O Gill Man é um monstro da natureza selvagem que vive em seu ambiente natural assim como Kong. Além disso, ambos se apaixonam pela protagonista feminina, inclusive levando-a para uma caverna opressora em determinado momento. No entanto, os erros temáticos de King Kong são melhorados em O Monstro da Lagoa Negra. No geral, o roteiro exibe uma forte mensagem de responsabilidade ambiental através de seus heróis, já que o Gill Man não é tratado como um monstro sádico, mas sim uma criatura que tenta proteger seu “Lar” da invasão de outros animais possivelmente ameaçadores. Diferente de King Kong, que tratava a criatura como uma besta selvagem que merecia ser capturada e exibida a bel prazer dos seres humanos, os heróis só querem fugir daquele local, e não necessariamente matar a criatura.
Apesar da compaixão que sentimos pela criatura, é inegável que ela seja aterradoramente fascinante, principalmente pela violência animalesca como mata suas vítimas com as próprias mãos. A maquiagem de Bud Westmore (Spartacus, de Stanley Kubrick) mistura elementos reptilianos e anfíbios com bastante inventividade. Não somente os detalhes das cristas e membranas interdigitais são bem interessantes, como também a textura das escamas é bastante crível. O modo como a criatura respira fora d’água (como movimentos rítmicos das brânquias) é um detalhe que não só fornece mais realismo à criatura, como também revela é um belo trabalho de atuação. Pelo visto, a respiração torácica do Gill Man foi uma das inspirações para o Jason de Kane Hodder, a partir de Sexta-Feira 13 - parte VII: A Matança Continua. O nadador Ricou Browning (que interpretou o monstro em todas as sequências), ainda exibe muita imaginação ao criar os movimentos ondulares da natação do monstro. Os efeitos sonoros criados para o Gill Man também combinam muito com a sua figura grotesca, fundindo tons guturais e “úmidos”.
O filme também possui um tema musical bastante presente durante a projeção. Apesar de claramente forte em seu tom de terror melodramático, é fato que as incursões do tema são realizados para criar uma iconografia particular do ataque do monstro. As imagens da mão do monstro saindo de dentro do lago para capturar algo na superfície, ou até a silhueta do monstro nadando em paralelo, e de frente, com uma personagem são difíceis de tirar da cabeça. A verdade é que a trilha sonora do longa fornece uma atmosfera de filme B que, unida às imagens de terror clássico dos ataques (com planos detalhes do corpo do monstro, com cortes secos para as expressões de pavor da vítimas), torna O Monstro da Lagoa Negra uma experiência muito divertida.
O filme teve duas sequências: A Revanche do Monstro (1955) e À Caça do Monstro (1956); mas nenhuma delas chegou à qualidade do primeiro filme. Apesar de, curiosamente, ser o personagem do “Legado de Monstro” da Universal que mais vendeu produtos licenciados (todos os tipos de brinquedos, gibis, livros, jogos e bonecos possíveis), o Gill Man só seria visto de novo em sua versão original no nostálgico Deu a Louca nos Monstros. Essa pérola dos anos 80 mistura Os Goonies e Os Caça-Fantasmas com os monstros da “Era de Ouro”. É uma aventura muito divertida, com atores muitos carismáticos (principalmente para quem gosta da dinâmica mirim de Stranger Things) e que presta uma linda homenagem aos monstros clássicos da Universal. Destaque para a SENSACIONAL maquiagem de Stan Winston (Aliens, O Exterminador do Futuro, O Predador), que trouxe à vida, novamente, o Conde Drácula, o monstro de Frakenstein, a Múmia, o Lobisomem e o Gill Man. Este último aparece com uma maquiagem prática ainda mais orgânica e intensa. Um GRANDE filme que, até hoje, é bastante desconhecido e subestimado.
Fechando com chave de ouro o cânone essencial do “Legado de Monstros” da Universal, O Monstro da Lagoa Negra é um exemplo perfeito de filme de terror sci-fi B dos anos 50: possui uma atmosfera sinistra, um monstro bizarro criativo e um subtexto científico bem intencionado; além de nunca deixar de ser divertido.
Outros filmes que também fazem parte do “Legado de Monstros” da Universal Studios (organizados em ordem cronológica de lançamento):
- O Corcunda de Notre Dame (The Hunchback of Notre Dame, 1923) de Wallace Worsley
- O Fantasma da Ópera (The Phantom of the Opera, 1925) de Rupert Julian
- Drácula – Versão Espanhola (Dracula – Spanish Version, 1931) de George Melford
- O Lobisomem de Londres (The Werewolf of London, 1935) de Stuart Walker
- A Filha de Drácula (Dracula’s Daughter, 1936) de Lambert Hillyer
- O Filho de Frankenstein (Son of Frankenstein, 1939) de Rowland V. Lee
- A Mão da Múmia (The Mummy’s Hand, 1940) de Christy Cabanne
- O Retorno do Homem Invisível (The Invisible Man Returns, 1940) de Joe May
- A Mulher Invisível (The Invisible Woman, 1940) de A. Edward Sutherland
- O Fantasma de Frankenstein (The Ghost of Frankenstein, 1942) de Erle C. Kenton
- A Tumba da Múmia (The Mummy’s Tomb, 1942) de Harold Young
- O Agente Invisível (The Invisible Agent, 1942) de Edwin L. Marin
- O Filho de Drácula (Son of Dracula, 1943) de Robert Siodmak
- Frankenstein Encontra o Lobisomem (Frankenstein Meets the Wolf Man, 1943) de Roy William Neill
- A Casa de Frankenstein (House of Frankenstein, 1944) de Erle C. Kenton
- O Fantasma da Múmia (The Mummy’s Ghost, 1944) de Reginald Le Borg
- A Praga da Múmia (The Mummy’s Curse, 1944) de Leslie Goodwins
- A Vingança do Homem Invisível (The Invisible Man’s Revenge, 1944) de Ford Beebe
- A Casa de Drácula (House of Dracula, 1945) de Erle C. Kenton
- A Mulher-Lobo de Londres (She-Wolf of London, 1946) de Jean Yarbrough
- Abbott e Costello – Às Voltas com Fantasmas (Abbott & Costello Meet Frankenstein, 1948) de Charles Barton
- Abbott & Costello Encontram o Homem Invisível (Abbott & Costello Meet The Invisible Man, 1951) de Charles Lamont
- Abbott e Costello Caçando Múmias no Egito (Abbott & Costello Meet The Mummy, 1955) de Charles Lamont
- A Revanche do Monstro (Revenge of the Creature, 1955) de Jack Arnold
- À Caça do Monstro (The Creature Walks Among Us, 1956) de John Sherwood
E vocês caros leitores? O que acham dos filmes de monstro da “Era de Ouro” do terror no cinema? Qual é o seu preferido? Aproveitem o espaço de comentários para deixar suas opiniões!